Peça do mês
A Casa-Museu Abel Salazar divulga, todos os meses, uma peça do seu acervo, com o objetivo de partilhar a história das peças e das coleções disponíveis na CMAS, evidenciando temas e tipologias de objetos com elevado valor histórico e científico e que apresentam um pouco mais da vida e obra de Abel Salazar.
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Paris em 1934
janeiro 2025

Primeiro livro da coleção Pensamento, Arte e Ciência editado pela Casa-Museu Abel Salazar e a U. Porto Press, em junho de 2022.
Abel Salazar não partilharia, quanto ao espírito de Paris, do sentimento de idílica filiação cultural mais ou menos recorrente em tantos portugueses dos últimos séculos. Desde logo combateu os estereótipos felizes de uma quase universal e fantasista visão daquela cidade. E, no entanto, a sua bagagem ao regressar vinha muito carregada, densa de experiências, ideias, críticas, projetos e resoluções. Tudo isto terá conferido algum acréscimo de sentido à viagem que está na origem deste livro: uma estadia de seis meses em Paris, aparentemente vivida mais como um exílio do que como um tempo de alegre intercâmbio intelectual – científico, filosófico e artístico. (…)
As crónicas que integram este livro articulam-se através desta intranquila pulsão narrativa e crítica, configurando um simultâneo testemunho do positivo e do negativo de Paris, da cultura e da barbárie em geral. (…)
Paris parece representar para o autor o paradigma da sua própria contemporaneidade problemática e complexa, quer no plano moral, quer no plano sociopolítico, quer no plano artístico, quer mesmo no plano civilizacional.
Irene Ribeiro, in “Prefácio

Abel Salazar saiu para Paris a 7 de março de 1934. A sua partida foi noticiada por periódicos como O Primeiro de Janeiro ou A Montanha e notada, sobretudo, entre os estudantes republicanos. Na chegada a Paris instalou-se no Hôtel Royal Bretagne, no nº11 da rue de Gaîté. No seu “auto-exílio” de seis meses entrou em contacto com amigos franceses. Trabalhou no laboratório do Professor Champy. Participou em conversas com personalidades das artes e das ciências e contactou pela primeira vez com a filosofia do Círculo de Viena. Militou em atividades antifascistas. Visitou museus, palácios e exposições, como o Salon de 1934, e as mostras retrospetivas da obra de Daumier. Passeou por bosques, parques e boulevards com “esse companheiro de todos os instantes”, o enigmático F. de P., a quem dedica a obra “Paris em 1934”.
Este livro testemunha o seu quotidiano e as coisas que o apaixonaram, apesar de não ser um diário. Revela os seus estados de alma e é uma incursão pelos demónios que o atormentam: o sentido da arte e da vida, a crise da Europa e o papel do intelectual na sociedade. Foi inicialmente editado em 1938, reeditado em 1943 e novamente publicado em 2022 pela U.Porto Press. Contudo, antes da sua publicação, entre dezembro de 1934 a setembro de 1935, o autor foi difundindo na imprensa artigos que constaram desta obra. Na revista “Vida Contemporânea” divulgou 7 textos sob o título “Vida artística e literária – Paris em 1934”. E depois da edição do livro, continuou a produzir textos sobre o tema, concretamente 29 artigos, entre maio e janeiro de 1940, no periódico “O Trabalho”. Compõe-se de 38 textos, de desigual extensão e, aparentemente, ordenados de forma cronológica. Abre com uma crónica sobre um espetáculo de bailado na Ópera e encerra com o capítulo “Perplexidade”, onde descreve a paisagem urbana, entre o luxo e a miséria, observada a partir de um comboio.
Mural de Abel Salazar do antigo Café Rialto
dezembro de 2024

Abel Salazar junto ao mural
Para o rés-do-chão do antigo café Rialto, projetado por Artur Vieira de Andrade para o primeiro “arranha céus” do Porto, edificado no início dos anos 40 do século XX por Rogério dos Santos Azevedo (1898-1983) para o lado sul da praça D. João I (ainda em construção), Abel Salazar produziu um mural a carvão intitulado a “Síntese da História”.
A obra de grandes proporções (5,00 m x 3,30 m) realizada numa técnica de que o artista se socorreu praticamente apenas neste trabalho, e numa encomenda realizada para a Casa de Saúde da Boavista (cinco paisagens do Gerês, na entrada do bloco operatório) simboliza o esforço da humanidade ao longo dos tempos. E nesse esforço havia trabalhadores e estandartes que os guiavam. Tal composição não escaparia à censura; e assim, o mural viria a ser mutilado pelo Estado Novo.

Capa da brochura do Café Rialto
O café inaugurado em 1944 fechou portas em 1972. Passou para a propriedade de um banco, mas conservou parte da sua ornamentação original. A pintura mural foi restaurada na viragem do século, por Mónica Baldaque (1946-), depois foi entaipada pela nova empresa arrendatária do espaço térreo do antigo café, e mais tarde devolvida à fruição pública.

“Síntese da História”
O mural foi o mote da primeira exposição com curadoria e montagem dos alunos da unidade curricular “Teoria e Prática de Exposições em Museus”, lecionada por Elisa Noronha no 1.º ano do curso em Museologia da Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP), em colaboração com a Casa-Museu Abel Salazar (CMAS); inaugurada a 18 de maio, nas comemorações do Dia Internacional dos Museus e ainda no âmbito do encerramento da 1.ª Semana de Museologia da FLUP, e que esteve patente no Pavilhão Calouste Gulbenkian da CMAS até setembro de 2024.
Autorretrato de Abel Salazar de 1926
novembro de 2024

Autorretrato de Abel Salazar personificando-se como Rembrandt, pintado em 1926, ano em que o professor universitário entrou numa longa depressão que o afastou, não só da vida académica, mas também da produção científica, literária e plástica, e do convívio com familiares e amigos. Uma temporada difícil passada, maioritariamente, na Casa de Saúde de S. João de Deus (1928-1931), que o autor descreveu no livro Testamento d ‘hum Morto Vivo sepulto na Casa dos Mortos, em Barcellos.
A obra foi pintada no seguimento da participação numa reunião da Associação de Anatomistas em Liège, viagem na qual contou com a companhia da irmã Dulce e durante a qual aproveitou para visitar Paris, Bruxelas, e Amesterdão, cidade onde contemplou a obra de Rembrandt no Rijksmuseum. Ela representa o busto frontal do artista, que emerge de um fundo escuro, parcialmente iluminado por uma luz de reminiscências barrocas. O rosto tem cuidada carnação. A cabeça está coberta por uma boina de veludo verde esmeralda e no canto da boca surge um cachimbo, à moda flamenga (1ª imagem).

No verso do quadro, em posição invertida (2ª imagem), há uma outra representação figurativa, etiquetas relativas a inventários e exposições e inscrições impressas por Dulce Salazar, sua anterior proprietária.
Desenhos da Acta Anatómica
outubro de 2024

Este conjunto de ilustração científica (20 figuras) integra um artigo de Abel Salazar (1889-1946) editado em 1946 na “Acta Anatómica, revista internacional nas áreas da Anatomia, Histologia, Embriologia e Citologia, publicada entre 1945 e 1998. O seu autor, pioneiro na utilização do desenho no cruzamento entre ciências e artes, recorre ao desenho microscópico para comunicar os últimos desenvolvimentos obtidos com recurso a um dos seus trabalhos mais revolucionários, do início da carreira científica, produzido no âmbito do Instituto de Histologia e Embriologia da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto – Método Tano-férrico de Abel Salazar. Neste caso, comunicando pelo desenho aquilo que esse método permitiu visualizar num estudo de um tecido biológico, o tecido conjuntivo.1
Peça do Mês e seus mistérios: Abel Salazar, com Susana Barros
junho de 2024

As curiosidades e os saberes sobre as mulheres trabalhadoras na pintura de Abel Salazar na Coleção Gramaxo foram debatidos numa conversa, no passado dia 8 de junho, que contou com a presença de Susana Barros, seguindo o mote da Peça do Mês e seus mistérios.
Saiba mais aqui.
- Texto de Susana Barros, com correção da Professora Maria Strecht do ICBAS e editado no catálogo da UIVO – 12.ª Mostra de Ilustração da Maia, p.9. ↩︎